Abnegação - Ação caracterizada pelo desprendimento e altruísmo. Dedicação em transformar, crescer e promover iniciativas que provoquem mudanças por meio de atitudes que vão além dos limites.
É assim que enxergo o
Rondoniaovivo. Os anos foram transformadores para o que era apenas um site de notícias, até se tornar o que é hoje: um portal com ampla variedade de editorias, oportunidades e um mix organizado com nível de excelência para o meio em que atua — a internet.
O Rondoniaovivo foi homenageado nesta sexta-feira (16), na Câmara Municipal de Vereadores, com uma Moção de Aplausos, de autoria do vereador Dr. Breno Mendes — uma justa lembrança e reconhecimento pelo excelente trabalho jornalístico que o portal vem realizando desde sua criação, há 20 anos.
Como um dos fundadores e, atualmente, colaborador articulista, nos dez anos em que estive à frente do portal — ao lado do amigo e companheiro de jornada Paulo Andreoli, que hoje o dirige com competência junto à Franciane Moura — percebi que não existe uma receita única para o sucesso. Há, sim, ingredientes diversos reunidos em torno de um interesse comum: a notícia e a transformação que ela pode gerar.
Gostaria de destacar alguns momentos-chave da perseverança que foi trabalhar no Rondoniaovivo — não apenas como um coadjuvante, mas como peça fundamental de um conjunto onde todos, mesmo com suas diferenças, entendiam que a meta era ser o melhor.
Já foi escrito e falado em vários registros e relatos que o ponto de virada do portal ocorreu em 4 de agosto de 2006, quando a Polícia Federal deflagrou, em Rondônia, a Operação Dominó, que prendeu 23 pessoas suspeitas de envolvimento em um esquema de desvio de recursos que causou prejuízo de R$ 70 milhões aos cofres públicos do Estado. As investigações identificaram ramificações do esquema criminoso na Assembleia Legislativa, no Tribunal de Justiça, no Ministério Público, no Tribunal de Contas e no Poder Executivo estadual.
Foi um trabalho árduo de apuração, decupagem de informações e análise de um relatório com mais de mil páginas e áudios.
Mas antes disso, houve um escândalo — ainda no primeiro ano de vida do Rondoniaovivo — que nos serviu como um protoprojeto de ação para a construção da nossa linha editorial.
Em maio de 2005, éramos um site de notícias com poucos recursos, mas contávamos com um diretor comercial com veia jornalística, arrojado, bem relacionado, e com uma equipe de redação abnegada, disposta a dar vida às apurações e à missão de informar.
Naquele ano, a bomba que explodiu em rede nacional, através do programa Fantástico (Rede Globo), envolvia deputados estaduais de oposição ao então governador de Rondônia, Ivo Cassol (na época no PSDB), que foram filmados pedindo R$ 50 mil em propina. O dinheiro serviria para que os deputados não votassem um pedido de impeachment contra o governador. A gravação das conversas, segundo divulgado, teria sido feita pelo próprio Cassol, que filmou os encontros com os parlamentares em sua casa e divulgou as imagens.
Num noite quente em Porto Velho, no domingo em que a reportagem seria exibida pelo Fantástico, algo inusitado aconteceu. Por um daqueles mistérios “inexplicáveis”, a matéria não foi ao ar - somente aqui em Rondônia. Houve um suposto problema técnico. Um comboio de carros e pessoas se dirigiu à frente da TV Rondônia (afiliada da Globo) para cobrar a exibição da reportagem — todos queriam ver as filmagens do governador com os deputados.
Houve um alvoroço em torno do prédio sede da afiliada da Globo, que teve que ser contida pela polícia militar.
A semana já vinha quente, com chamadas intensas para a matéria especial assinada pelo jornalista Eduardo Faustini. Quase toda Rondônia aguardava ansiosamente o escândalo político.
Na segunda-feira, diante da enorme repercussão e pressão popular, o Jornal Nacional quebrou o protocolo e exibiu a reportagem na íntegra.
Nós, do Rondoniaovivo, atentos a tudo, enxergamos ali uma grande oportunidade de abrir uma frente de cobertura exclusiva sobre o caso. Adriel Diniz, sócio e repórter, foi a campo junto com Paulo Andreoli, enquanto eu, na redação, recebia o material e publicava as matérias em tempo real.
Naquela mesma semana, impulsionado pela indignação gerada com o conteúdo das fitas, um grupo liderado por estudantes organizou uma manifestação revoltosa. Em protesto contra os deputados envolvidos no escândalo, houve atos de depredação na Assembleia Legislativa e no Palácio do Governo de Rondônia.
Com a tentativa de invasão aos dois prédios, a Tropa de Choque da PM foi acionada, e houve confronto. A polícia utilizou mais de 20 bombas de efeito moral. No meio da confusão, cobrindo os atos em frente à Assembleia, estava Adriel, tirando fotos e registrando tudo, até que um artefato caiu próximo a ele e o gás lacrimogêneo tomou conta do ambiente.
Naquela tarde, Adriel chegou à redação irado, tossindo, com os olhos marejados pela fumaça. Sentou-se em frente ao computador e escreveu a matéria sobre a manifestação.
Paulo entrou na redação e teve a ideia de fazermos a cobertura dos fatos não apenas pelo site, mas também por meio de um informativo impresso — um tabloide — relatando todos os acontecimentos, desde a divulgação das fitas de Cassol até as manifestações nos dois poderes.
Ele conseguiria uma gráfica e faria uma pequena, mas significativa tiragem. Aí entra uma das receitas do Rondoniaovivo: mostrar serviço, com um coletivo trabalhando por amor ao jornalismo - somos abnegados.
Paulo ficou responsável por buscar patrocínio para bancar o jornal impresso; Adriel e eu cuidaríamos das reportagens. Como eu sabia operar os programas de diagramação, como PageMaker e CorelDRAW, também ficaria responsável, junto com ele, pelo design e diagramação do tabloide. Porém, oficialmente, não poderíamos como jornalistas responsáveis, pois nossos registros profissionais ainda estavam em análise no Sindicato dos Jornalistas. íamos apenas como diagramadores. A supervisão de todo o material escrito e a edição ficaram a cargo do nosso professor de faculdade, Hamilton Lima, que já possuía o registro profissional.
Com as fotos do Adriel e outras de arquivo, fizemos um apurado de todo o escândalo, mas com foco nas manifestações em frente à Assembleia Legislativa. Em três dias, finalizamos todo o material e rodamos em papel jornal. A publicação não seria vendida, mas distribuída gratuitamente. O objetivo era dar voz aos fatos e fortalecer o nome do Rondoniaovivo, que ainda estava em seus primeiros seis meses de existência.
Foi uma explosão. A tiragem do tabloide sumiu das prateleiras, e recebemos a missão de distribuí-lo em repartições e secretarias públicas. Porém, o sucesso tem seu preço.
Fizemos outros tabloides depois, mas aquele foi notável. Produzido em meio a um momento de grande fervor e confusão política em Rondônia, ele marcou uma virada. Estávamos mexendo num verdadeiro vespeiro ao confrontar parlamentares acusados de corrupção e ao citar diretamente o próprio governador.
Pelos corredores da Assembleia Legislativa, nos cantos estreitos, em alguma lixeira, era possível encontrar exemplares do nosso jornal impresso jogados, amassados, rasgados pelo ódio. Havia ali uma clara provocação à nossa liberdade de imprensa, uma tentativa de silenciar o registro dos fatos. Naquele período, diante da intensa cobertura da imprensa sobre os bastidores da política local, alguns veículos — outros sites e até mesmo impressos — sobreviviam à base de verbas parlamentares e patrocínio institucional da ALE.
O Rondoniaovivo, não. Estávamos fechando nosso site sem resguardo comercial institucional, somente com base na notícia e nos fatos. E isso num momento em que fazíamos jornalismo de guerrilha, sem salário fixo, pagando o aluguel de uma sala comercial com parcos patrocínios privados.
As agências responsáveis pela publicidade do Governo e da ALE/RO começaram a se perguntar: que site de notícias era esse? Quem financiava o Rondoniaovivo, que não tinha contrato de publicidade institucional (P.I.) e nem era alinhado com nenhum político?
Nosso jornal impresso cutucou alguns figurões do meio político, que, incomodados, acionaram o Sindicato dos Jornalistas da época. Encontraram uma brecha no expediente: mesmo com a do nosso professor e jornalista Hamilton Lima, constavam os nomes meus e do Adriel como diagramadores — função que, legalmente, também exigia registro profissional.
O resultado: fomos denunciados supostamente por alguém do próprio sindicato, que prestava serviços à Assembleia Legislativa. A denúncia incluía meu nome, o de Adriel e o do Hamilton. Fomos chamados à sede da Polícia Federal para prestar esclarecimentos. O suposto “crime” foi tratado como infração federal.
Hamilton provou que possuía o registro profissional. Adriel e eu, por termos assinado como diagramadores sem o devido registro, fomos processados e condenados por exercício ilegal da profissão.
Tivemos que seguir os trâmites legais. A punição, definida por meio de acordo judicial, demorou um pouco, mas chegou. Nesse período, a sede do Rondoniaovivo já não era mais uma simples sala comercial. Funcionávamos em um anexo que o Paulo construiu nas dependências da Promove Brindes. Nossa equipe também havia crescido.
Sim, essa foi a forma encontrada para “punir” a ousadia daqueles recém-formados da primeira turma de Jornalismo de Rondônia. Jornalistas que, com apenas seis meses de existência do site Rondoniaovivo, já estavam incomodando o sistema.
Adriel pagou sua pena com a entrega de cestas básicas. Eu, completamente liso na época, optei por cumprir a pena com trabalho comunitário em alguma entidade beneficente ou igreja.
Durante três longos dias, fui faxineiro na Igreja Nossa Senhora das Graças, perto de casa. Tinha que cumprir uma carga horária diária de seis horas, sendo supervisionado por uma senhora da secretaria da paróquia, que me obrigava a uma planilha com o relatório dos serviços realizados.
Entre enxadas, vassouras, rodos, espanadores com varas extensoras, carrinho de mão e muitos calos nas mãos, cumpri minha pena. E com ela, veio mais uma lição sobre o peso — e o preço — de fazer jornalismo com verdade e coragem.
Uma curiosidade sobre esse período é que a senhora que me supervisionava durante o cumprimento da pena nunca havia puxado conversa comigo. Pelo contrário — pelas suas expressões e reações, parecia me olhar com certo desdém. Talvez, na lógica dela, por eu estar ali prestando serviço comunitário, eu era um “marginal”, um “bandido”. Ainda assim, sempre fui educado, cumpria todas as ordens e executava as tarefas com responsabilidade.
Até que, no último dia, depois de finalizar minhas atividades e prestes a o relatório que seria enviado à Justiça — atestando que cumpri a pena com integridade —, ela finalmente puxou conversa.
Quis saber o que eu havia feito de tão grave para estar naquela situação. Respondi que era jornalista, e que meu “crime” foi ter informado a população por meio de um jornal impresso. iti que cometi uma falha técnica: publiquei o informativo sem atentar para a exigência do registro profissional.
Ela arregalou os olhos e me perguntou que informativo era aquele. Respondi que era o Rondoniaovivo, e que o nosso jornal havia denunciado um escândalo envolvendo deputados estaduais num caso de propina relacionado ao então governador, e que as consequências vieram depois.
Foi quando ela se espantou. Abriu uma gaveta da sua mesa e puxou de lá um exemplar do nosso impresso. Ela havia guardado um. Disse que leu, e que na época da publicação uma parte dessa edição circulava entre os jovens da igreja. Não sabia que eu havia participado da produção.
Pediu desculpas caso tivesse sido ríspida em algum momento. Eu disse que não havia o que perdoar — ela apenas cumpria seu papel. Foi correta o tempo todo.
Abnegação. Essa é, talvez, uma das receitas secretas do Rondoniaovivo. Aquilo tudo me inspirou ainda mais a continuar o ótimo trabalho que estávamos fazendo.
Vinte anos depois, o portal de notícias Rondoniaovivo segue firme. E os bastidores daqueles primeiros anos ainda permanecem vivos, claros como a luz, nas minhas memórias afetivas.