Eu vivo às margens do rio. Sou a harmonia embelecida entre as águas e a verde mata, sou a poética estetizante do fabuloso e fascinante mundo mitológico da alma em devaneios. Sou o deslumbramento das narrativas históricas que atravessaram gerações, e sou a luz ornada de flores que no seu esplendor e florescência me diz de forma briosa e imensurável que eu sou um beiradeiro que luta por uma Amazônia sem mácula e sem obliteração da vida.
Eu vivo como um autêntico filho da mata. Sou a voz que o homem silencia, e com seu ódio e abrutamento insiste em calar-me e afugentar o tradicional e originário povo do nosso divinal lugar. Sou a vida suntuosa e impoluta que rasteja complacente e obstinada na ontológica resistência contra o poder hegemônico do capital exacerbado que dilacera as relações do homem com o seu espaço vivido.
Eu vivo entranhado às raízes dos palcos florestais. Sou um tradicional devaneador do Pai-da-mata, sou a virtuosidade e a volúpia da grandeza dos sentidos que me faz acreditar na força da Mãe-da-seringueira, protegendo as suas filhas do embuste e arrogância das mãos assassinas do homem ignóbil, ardiloso e hediondo.
Eu vivo no prodigioso e inefável mundo da Mãe-d’água protetora dos batelões ribeirinhos. Sou a vivificante alma do Caboclinho-da-mata, que com o seu aguçado senso de justiça, vive espantando e surrando com o seu demolidor chicote de cipó a aviltante desordem humana, que insiste em exterminar o singular e plural reino dos andaimais.
Eu vivo entrelaçado às águas do Mamu brasiviano, que abraça o Abunã de águas verdejantes, que também abraça as águas amareladas do Madeira. Sou o maior defensor das águas, sou a dádiva transcendental e obstinada do rio em agonia. Sou beiradeiro sim senhor!