Já está disponível no catálogo da plataforma de streaming Netflix desde o dia 07 de março o documentário “Chaos: The Manson Murders”, do prestigiado diretor do gênero, Errol Morris, vencedor de um Oscar por outro documentário surpreendente, “Sob a Névoa da Guerra” (2003).
O documentário é uma adaptação de um livro de não ficção de 2019, com o extenso título “CHAOS: Charles Manson, the CIA, and the Secret History of the Sixties”, escrito pelo jornalista e teórico Tom O'Neill com a colaboração de Dan Piepenbring.
O plot para quem não leu o livro - ele não tem edição brasileira - e vai assistir o documentário causa uma surpresa nos primeiros 20 minutos, pois o que esperamos assistir é mais uma produção a discorrer sobre o massacre promovido pelo alucinado Charles Manson, quando influenciou um grupo de quatro garotas e um fiel seguidor a invadir e matar todos que estavam numa casa localizada na Cielo Drive, número 10050, porém, o que é mostrado vai muito além de um “true crime”.
Para ilustrar como foi o crime, um dos mais tenebrosos já cometidos.
Em Los Angeles, na madrugada do dia 08 para o dia 09 de agosto de 1969, esse grupo cortou os fios telefônicos e desde a entrada na residência, armados com facas e um revolver já iniciaram a matança, quando deram de cara com Steven Parente, a primeira vítima, que estava saindo do local, mas para não ser testemunha foi morto à tiros. Em seguida, os seguidores de Manson se encaminharam até os fundos da casa, entraram e encontraram as vítimas na sala, onde estavam a atriz Sharon Tate - casada com o cineasta em ascenção Roman Polanski -, Wojciech Frykowski, Abigail Folger e Jay Sebring (famoso cabeleireiro dos artistas de Hollywood na época).
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Com as palavras e ordens de Manson em suas cabeças, o que veio a seguir foi um ritual brutal de matança. Tate estava grávida de oito meses, foi deitada no chão, implorou pela vida do filho, porém uma das garotas de Manson, Susan Atkins, subiu em cima da atriz e a esfaqueou até a morte. Em depoimento Susan disse que Sharon chamou pela mãe em seu último suspiro.
Um a um dos presentes foram mortos violentamente. Frykowski ainda tentou fugir da sala saindo pela porta, mas foi abatido por Tex Watson, o fiel seguidor de Manson, o único armado com um revolver. Quando caiu no gramado ainda recebeu mais facadas para o serviço ficar completo. Os outros foram mortos à faca pelas discípulas. Com o sangue de Tate, Susan escreveu na parece a frase “Morte aos porcos”, e em outro local “Helter Skelter” - menção a uma música dos Beatles que está no famoso álbum branco da banda, um disco idolatrado por Charles Manson.
Na madrugada do dia 10 de agosto, a poucos quilômetros da casa onde haviam cometido o massacre, agora seis membros da seita de Charles Manson invadiram outra residência, onde moravam um empresário famoso na região, Leno LaBianca e a sua esposa, Rosemary LaBianca, que foram mortos brutalmente, a tiros e facadas. E em das paredes da casa tinha escrito a sangue a palavra “porcos”. Por incrível que pareça, na época a polícia achava que os dois crimes não tinha nenhuma correlação. Só após dois meses, juntaram os dois casos e efetivaram as prisões dos criminosos.
O documentário mostra os crimes, com fotos, imagens da época, entrevistas das assassinas - tem as famosas imagens das discípulas de Manson rindo e cantando quando estavam se dirigindo para o pleno do julgamento - uma imagem chocante. Mas discute principalmente - e aí está o verdadeiro plot que o diferencia de tantos outros documentários com o mesmo assunto - o modo como Charles Manson manipulou a mentes de seus discipulos, a lavagem cerebral que ele conseguia fazer nas pessoas que o seguiam. O diretor Errol Morris, pleiteia com entrevistas de Manson - dada em diferentes épocas -, e também com depoimentos de suas discípulas - já tentando desapegar do seu domínio mental -, relatando o seu modus operandi, a forma como ele liderava aquele grupo insano de forma sistemática.

O autor do livro, que fez a investigação com base em documentos secretos do Governo que teve o, tenta mostrar que Charles Manson foi muito importante para a implantaçao de um programa Estatal sobre lavagem cerebral e domínio mental em pessoas para quem obedecessem cegamente qualquer ordem emitida por um superior, que poderia ser aplicada em soldados.
Mas qual o valor genérico de Manson, então considerado um lunático, pernicioso em manipular jovens a uma conspiração apocalíptica em que ele queria promover o caos na América? Qual?
Total para o Governo americano nos anos 60, quando ainda viviam sob os auspício da Guerra Fria e qualquer recurso de manobra de massa seria viável para sua estratégia de manipulação.
No documentário vemos um histórico biográfico, praticamente uma ficha corrida de Manson, que ou anos no presídio, onde desenvolveu uma técnica de persuasão com base em suas visões descritas de uma nova utopia em que mundo tinha quer ser conduzido por aqueles que buscavam uma limpeza étnica comportamental, com base no “amor”, drogas - no caso o LSD - e a comunhão entre todos que pudessem segui-lo.
Quando saiu da prisão, Manson, que aprendeu a tocar violão enquanto esteve preso, conseguiu manipular algumas pessoas de que ele era um músico talentoso e que queria gravar um disco. Conseguiu uma audiênca com o Dennis Wilson, um dos irmão Wilson da banda The Beach Boys, que gostou do que fazia e até mesmo tomou posse de uma das canções de Manson, mudando somente o título. Lá na frente isso acabou criando um racha entre os dois, pois Dennis havia prometido gravar um disco com ele.
Depois abandonado por Dennis, de quem pegou raiva, Charles Manson conseguiu tomar posse de um rancho velho, que ficou bastante conhecido no final dos anos 60, o Spahn Ranch. O local era a toca perfeita para Manson e a sua “família” de seguidores, a maioria mulheres jovens. Muitas delas pegavam doenças sexuais e eram conduzidas até um consultório que serviu de escritório para contatos sigilosos de Manson com uma pessoa ligada ao governo. O diretor Morris conta os pormenores desse contato entre os dois, inclusive destacando a maneira como o lunático tinha todas aquelas pessoas sobre o seu domínio.
Nos depoimentos que vão surgindo, principalmente de quem conviveu com Manson, vamos descobrir que o rancho servia para que ele, seguidores e mulheres praticassem orgias e tomassem muito dietilamida do ácido lisérgico. Em noites prolongadas e por dias Manson ficava gritando palavras de ordens enquanto deixava tocar uma música estritende em alto volume. A supressão de raciocínio e até discernimento do que era dia e noite, fazia com que esse jovens ficassem cada vez mais alucinados.
A ordem mundial de Manson era fazer com que os negros, afro-americanos, fossem exteminados e pagassem pelos crimes cometidos pelo seu grupo, como assim queria fazer nos crimes chocantes em Los Angeles.
O documentário detalha como a mente deturpada do psicótico tinha uma fixação em conspiração derivada de seus gostos, alucinantes e referidas principalmente com as músicas dos Beatles. A sua ilusão profética já contaminada entre os jovens, pregava que as músicas da banda inglesa no Álbum Branco eram ditames dessa sua nova ordem, cujas letras eram ordens para a execução de crimes “libertadores”.
O chocante é ver que o governo americano do período em levante secreto queria adotar esse método, sem a plasticidade alucinógena conspiracionista de Manson, mas sua técnica utilizando LSD e o choque da repetição.
O diretor Morris adota o tom conspiracionista, porém embassado em teorias que fazem sentido e que estão no livro de O'Neill, como traçar paralelos entre os temores sociais das décadas de 1950 e 1960 e a manipulação psicológica. Ainda que eu considere forçado as conexões da CIA e o uso da LSD com o assassinato de JFK - tem um trecho que aponta esse caminho da manipulação de mente com a morte de Lee Harvey Oswald - apontado como o assassino do presidente norte americano - executada por Jack Ruby.
O documentário depois fecha mostrando o que houve no julgamento dos assassinos de Sharon Tate e dos LaBianca, principalmente com o papel do advogado de defesa de Manson, Vincent Bugliosi - que registrou tudo, até os autos do caso e condenação - para escrever o livro “Helter Skelter”, em 1974, ainda o relato mais completo da família Manson e o massacre promovido por eles - esse livro está disponível no Brasil pela editora Darkside.
Manson não participou de nenhum dos crimes e esse era o seu argumento, porém foi quem orientou e conduziu seus seguidores a cometer os assassinatos.
De forma impiedosa, no dia 19 de abril de 1971, Charles e seus fiéis acusados pelos crimes foram condenados à pena de morte. Porém, com a mudança dessa lei de pena capital, no estado da Califórnia, abolida em 1972, todos foram julgados novamente e sentenciados à prisão perpétua.
Charle Mason, conseguiu ainda gravar e lançar um disco quando estava preso. Cujas músicas foram cultuadas por alguns artistas, como o Guns N’ Roses. Ele morreu aos 83 anos de parada cardíaca, consequência de insuficiência respiratória causada por um câncer de cólon, em 19 de novembro de 2017.
Das assassinas condenadas, somente Leslie Van Houten, de 73 anos, no dia 11 de julho de 2023, conseguiu liberdade condicional após cumprir 53 anos da pena de perpétua.
Ainda que preso e recluso, Manson recebia muitas cartas de fanáticos que descobriram sua história e cultuavam o seu modo de pensar. Muito articulado nas entrevistas que fez na prisão para revistas e jornais, talvez o seu epíteto mais memorável de vida tenha sido classificado pela revista Rolling Stone internacional quando registrou o designío da promotoria em seu julgamento:
“O homem mais maligno e satânico que já caminhou na face da Terra”.