Um dos maiores clássicos da comédia já feitos para o cinema, Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925), completa 100 anos agora em junho. Considerada uma das obras-primas do comediante, produtor, roteirista e diretor Charles Chaplin, o filme foi um dos grandes destaques na abertura da edição deste ano do Festival de Cannes, que iniciou sua programação oficialmente na segunda-feira (12).
Todos os anos, a organização do maior festival de cinema do mundo relança uma obra-prima da sétima arte, em versão restaurada e remasterizada. Se no ano ado o destaque foi Napoleão (Napoléon, 1927), de Abel Gance, neste ano foi a vez de Em Busca do Ouro, de Chaplin, que teve todos os seus fotogramas restaurados integralmente e remasterizados em 4K, com resolução visual impecável.
O filme receberá um tratamento especial com um relançamento mundial ainda em junho, com previsão de exibição em 70 países. E, por incrível que pareça, o Brasil não está entre os privilegiados — um verdadeiro sofrimento para cinéfilos e fãs do genial Charles Chaplin.
O longa guarda uma série de curiosidades de bastidores muito interessantes, que demonstram o profundo amor de Chaplin pelo cinema em sua essência mais pura. Ele se dedicou por dois anos às filmagens, arcando com todos os custos cabíveis e possíveis, para entregar sua visão artística da história que queria contar sobre a corrida do ouro no Alasca.
Dois anos antes, ele havia lançado um drama, Casamento ou Luxo (A Woman of Paris, 1923), tentando se afastar do estereótipo criado com seu icônico personagem Carlitos. Chaplin atuou apenas por trás das câmeras, escrevendo e dirigindo um drama que não agradou ao público — os fãs detestaram, e o filme foi um fracasso.
Após essa experiência, Chaplin se interessou por uma série de fotografias da corrida do ouro que ocorreu no Alasca — um acontecimento histórico notável e degradante, entre 1896 e 1899, quando milhares de pessoas migraram para a região do Klondike, no Canadá, sonhando enriquecer da noite para o dia. A imprensa registrou esse movimento que reunia garimpeiros e aventureiros — um paralelo com o que ocorreu em Serra Pelada —, todos atraídos pela promessa de enriquecimento rápido.
Um dos detalhes da corrida do ouro que ajudou a compor o roteiro criado por Chaplin foi o surgimento de cidades e vilas como Dyea e Skagway, no Alasca, que se tornaram importantes centros de distribuição de suprimentos e de o às regiões de garimpo — como é mostrado no filme Em Busca do Ouro.
No clássico — lançado em 1925, ainda no auge do cinema mudo — Carlitos surge no Alasca, atraído pelo grande movimento de garimpeiros na região, em busca de uma nova vida durante a corrida do ouro. Porém, diante das intempéries do clima extremamente frio, com fortes nevascas e ventos cortantes, ele acaba se abrigando em uma cabana, onde compartilha o único cômodo com um bandido ganancioso procurado pela justiça e, depois, com um garimpeiro de bom coração, Big Jim McKay (Mack Swain), que havia encontrado um grande veio de ouro, mas enfrentava dificuldades para extrair o mineral da região por conta da neve.
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Esse trio convive por um tempo, até que restam apenas Carlitos e Big Jim, isolados, famintos e à beira da loucura. Após algumas desventuras, Carlitos acaba indo parar em uma cidade recém-criada pelos garimpeiros, onde se instala sozinho em uma casa modesta, até conhecer uma garçonete, Georgia (Georgia Hale), por quem se apaixona e a a buscar afeto. Mas a vida não é fácil para Carlitos: ele reencontra Big Jim, agora com amnésia, que tenta se lembrar da localização do veio de ouro que havia descoberto. Juntos, acabam percebendo que podem se tornar sócios.
O filme foi lançado no Brasil no dia 13 de julho de 1925 e possui duas versões distintas: a original, muda, e uma versão relançada em 1942, com mudanças significativas. Nesta nova edição, Chaplin adicionou comentários em voice-over, efeitos sonoros e uma trilha sonora composta por ele mesmo, além de retirar algumas cenas da edição original.
Em Busca do Ouro contém cenas clássicas inesquecíveis que marcaram a história do cinema, como a alucinação de Big Jim, faminto, imaginando Carlitos como um frango gigante pronto para ser abatido; o vagabundo cozinhando e servindo uma de suas botas como refeição; e, claro, a icônica cena da dança dos pãezinhos, durante um jantar imaginário com as garçonetes, em sua humilde casa.
Como curiosidade, o filme — produzido pela própria companhia de Chaplin, a United Artists, fundada por ele em parceria com os atores Mary Pickford e Douglas Fairbanks, além do diretor D. W. Griffith — teve um custo de 923 mil dólares, um valor consideravelmente alto para os padrões da era do cinema mudo.
Na emblemática cena de abertura, foram utilizados cerca de 2.500 figurantes interpretando garimpeiros — quase todos moradores de rua ou desempregados que aceitaram participar das filmagens em troca de um dia de salário. Um exemplo claro do compromisso de Chaplin em criar cenas grandiosas e autênticas, mesmo com as limitações da época.
O filme também apresenta cenas prodigiosas, fruto do perfeccionismo extremo de Chaplin como diretor. Ele utilizou efeitos ópticos, miniaturas e cenários móveis em estúdio para criar sequências de ação dramáticas e ao mesmo tempo cômicas — como a icônica cena da cabana sendo arrastada pelo vento até a beira de um penhasco, ou o inusitado encontro com um urso, ambas marcadas pelo equilíbrio entre tensão e humor físico, característico de sua obra.
A segunda versão de Em Busca do Ouro, com trilha sonora e narração adicionadas por Chaplin em 1942, está atualmente disponível no YouTube. Vale muito a pena assistir a essa joia do cinema — uma verdadeira aula de criatividade, técnica e sensibilidade artística.